Hotelaria 2020

É com muita honra que respondo ao desafio de escrever o primeiro artigo no âmbito da nova rúbrica de opinião da plataforma Rede-T.
Neste artigo proponho-me “dissertar” um pouco sobre a atualidade e as tendências da indústria da hospitalidade, que tanto nos fascina!

Francisco Moser

Temos assistido neste passado recente a uma evolução dramática no setor hoteleiro. Em trinta e muitos anos de profissão nunca testemunhei tantas mudanças em tão pouco tempo. Para mim é um verdadeiro privilégio estar envolvido nesta espécie de metamorfose profissional, que me obrigou a mudar de pensamento, a pôr em causa todos os padrões tradicionais da indústria e a aprender, ora com jovens que agora dão os primeiros passos, ora com profissionais experientes oriundos de outros setores de atividade.

Sendo eu da “escola” conservadora, posso afirmar que o tempo presente constitui uma mudança total de paradigma. E ainda bem que assim é. Faço parte de uma “casta” de hoteleiros com um percurso académico e profissional assente em regras e procedimentos rígidos, cheio de do’s and dont’s, alguns dos quais, de repente, deixaram de fazer sentido. A quebra de certas barreiras tem sido o elemento catalisador do desenvolvimento da hotelaria, principalmente no que respeita à diferenciação, à proximidade com os clientes e à prestação de um melhor serviço.

Horários para o pequeno almoço? Colaboradores “enjaulados” em fardas ridículas? Receções subdivididas, tipo repartição de finanças? Ambientes sóbrios e pesados? Molho demi-glace em todos os pratos do restaurante? Felizmente que este cenário dantesco tem vindo a ser progressivamente abandonado pela “nova” hotelaria.

O setor hoteleiro, outrora meio moribundo e fechado em si próprio, é hoje uma indústria sorridente, aberta a uma comunidade de profissionais diversificada, cuja preparação na área hoteleira é, em muitos casos, nula. Estou a falar de empresários, diretores de hotel, experience managers, designers, marketeers, storytellers, revenue managers, etc. Um paradoxo absoluto, uma verdadeira desordem que muito tem contribuído para o desenvolvimento do setor.

Ao contrário de outras áreas profissionais (médicos, professores, engenheiros, arquitetos) não somos corporativistas nem queremos ordens profissionais. Somos uma comunidade aberta, trabalhamos numa indústria transversal a toda a economia. Somos globais, não queremos impor limitações, nem temos preconceitos. Afinal de contas trabalhamos na indústria da paz!

Esta mentalidade aberta e descomplexada tem trazido para o mercado conceitos inovadores, disruptivos e diferenciadores. The Hoxton, Soho House, Ace Hotels, The Standard, Edition Hotels, CitizenM, Mama Shelter, The Independente Collective, Sublime Comporta, São Lourenço do Barrocal, Memmo Hotels, DHM, Pestana CR7, Evolution, são alguns belíssimos exemplos de uma hotelaria nova, fresca e desempoeirada, resultante desta mescla de diferentes culturas e origens – hoteleiras e não hoteleiras.

Os hoteleiros que olham para o futuro aprenderam que higiene, conforto e simpatia são os pilares de sempre que têm de ser respeitados e preservados, mas perceberam também coisas simples, tais como a necessidade de quebrarem certas barreiras entre colaboradores e hóspedes, evitarem dizer “não é possível”, criarem experiências únicas e personalizadas e dinamizarem uma oferta de F&B que nos faça esquecer o sinistro conceito de “restaurante de hotel” do passado.

O F&B não é um mal necessário como muitos creem. Se o conceito for bem desenvolvido, eventualmente com um parceiro especializado, será o elemento diferenciador de outros tipos de alojamento, dando o necessário vibe ao hotel. E se bem gerido, é uma fonte de rentabilidade muito interessante. Comida de confeção simples com produtos genuínos e locais e uma carta de bebidas variada com cocktails de assinatura, acompanhados de algum entertainment, são tendências que não podemos ignorar.

Também ao nível do design e da conceção dos espaços começam a surgir novos hotéis (de cidade principalmente), abertos à comunidade local, com áreas públicas amplas, sem barreiras (alguns sem receção), com zonas de coworking, que incluem serviço ininterrupto de bar e restauração. Os quartos são mais pequenos, com um aproveitamento inteligente do espaço e as salas de reunião polivalentes, dotadas de equipamento high-tech de última geração.

Nesta nova hotelaria muitas das funções tradicionais de back office estão a ser substituídas por tecnologia. Business intelligence, marketing automation, internet of things, aplicações de apoio ao hóspede (check in online, serviços de concierge), assistentes virtuais, são ferramentas que proporcionam mais eficiência, mais conforto, mais produtividade e melhor capacidade analítica para tomada de decisões atempadas.

Em contraponto à tecnologia assistimos ao reforço do elemento humano no front of the house – fator crítico de sucesso na nossa indústria. É o high-touch vs o high-tech. Dar mais e melhor serviço. Go the extra (s)mile. Apostar em profissionais que trabalhem com as duas mãos. Uma cheia de atitude e a outra cheia de skills técnicos, premiando-os e remunerando-os acima do mercado. Formação intensiva on job é a palavra de ordem. As empresas competitivas estão a investir fortemente em “gente” preparada para aquilo que o gestor hoteleiro considera mais sagrado: produtividade, venda e serviço.

Para terminar, regozijo-me com o facto de finalmente esta nova geração ter começado a pensar no ambiente e na sustentabilidade de uma forma séria. De acordo com um estudo da booking.com (Sustainable Travel Report 2019), 70% dos viajantes consideram dar primazia na reserva em unidades eco-friendly. Neste ponto ainda há um longo caminho a percorrer. A maioria dos hotéis vai “fingindo” que faz, apregoando as suas parcas medidas, mas o cliente de hoje exige muito mais. Impõe-se neste domínio uma política consistente de A a Z com o envolvimento ativo de colaboradores, hóspedes, comunidades locais e restantes stakeholders do negócio. Tomo a liberdade de citar o mote da DHM para 2019: No Earth, No Hotels!


Francisco Moser, Managing Director DHM Discovery Hotel Management