É indesmentível que a tecnologia tem desempenhado um papel crucial na transformação do setor do turismo ao longo das últimas décadas. Desde o desenvolvimento dos sistemas de distribuição globais até à internet e ao surgimento de canais online de vendas e agências de viagens online, a tecnologia tem revolucionado a forma como viajamos e consumimos produtos turísticos.
Os sistemas de distribuição globais foram pioneiros na interligação de companhias aéreas, hotéis e agências de viagens, facilitando a reserva de viagens à escala mundial e permitindo uma maior eficiência no setor.
A internet colocou o turismo numa nova era de globalização, com o surgimento de empresas como Booking.com, Expedia, Airbnb e outras, que são hoje líderes de mercado e desempenham um papel essencial no setor, ao mesmo tempo que permitia aos prestadores de serviços turísticos a exposição global através dos seus canais online, redes sociais e outras formas de comunicação.
Apesar das vantagens óbvias da tecnologia, sempre houve uma discussão sobre o trade-off entre a tecnologia e a perda da relação humana. Enquanto setor de “pessoas para pessoas”, a experiência pessoal na relação com o cliente tem prevalecido.
A pandemia funcionou como acelerador da utilização da tecnologia na relação com o cliente, especialmente quando o contacto humano se encontrava fortemente limitado, permitindo a digitalização de processos simples como o check-in, check-out, assistentes virtuais, menus digitais, pagamentos digitais, entre outros.
Curiosamente, com o fim da pandemia, muitos desses avanços tecnológicos foram abandonados em favor dos processos manuais tradicionais (os menus digitais são um exemplo paradigmático), ao contrário de setores como o retalho, onde a transformação digital continua a desempenhar um papel instrumental nas estratégias de crescimento das empresas.
A complexidade dos ecossistemas digitais, os custos de utilização destas tecnologias, a dificuldade ou impossibilidade de integração com outros sistemas core das empresas, a ausência de recursos humanos qualificados são razões que potencialmente explicam os desvios na adoção de tecnologia no setor face a outros.
Por outro lado, durante anos, muitas tecnologias prometeram transformar o turismo, mas muito desse potencial ficou por cumprir. Realidade Aumentada, Realidade Virtual, Internet das Coisas ou Metaverso são alguns dos exemplos de tecnologias que têm um enorme potencial, mas onde os casos de uso no turismo à escala nacional são ainda reduzidos.
A inteligência artificial (IA), no entanto, pode ser a chave para acelerar esta adoção, pela capacidade de processar e analisar grandes quantidades de dados e de permitir a personalização da experiência do cliente, mas também pela facilidade de utilização, o que fez com que a sua adoção tenha sido massiva. O ChatGPT, por exemplo, atingiu 100 milhões de utilizadores em apenas dois meses, quando o Whatsapp demorou 3,5 anos para chegar a esse nível de utilização.
A personalização das recomendações, a automação de tarefas repetitivas e o suporte ao cliente através de bots, a utilização de algoritmos para prever tendências e ajustar ofertas são alguns dos exemplos do impacto que a inteligência artificial pode ter no turismo.
Um artigo recente da Phocuswire referia que a Marriott International estava a testar, numa das suas marcas, uma solução baseada em inteligência artificial que permitia aos utilizadores descreverem o que pretendiam das suas férias. Este é um produto da sua incubadora interna de IA, onde são desenvolvidas e testadas outras soluções baseadas nesta tecnologia. O artigo descreve ainda um enorme processo de transformação digital na empresa, com substituição do PMS, do CRS e da plataforma de loyalty por tecnologias mais modernas.
Mas, do meu ponto de vista, a parte mais interessante do artigo é quando fala da mudança de mentalidade que está a ocorrer, introduzindo uma cultura de abertura e de experimentação, de risco na exploração de novas tecnologias e do foco no cliente e nas suas expetativas num mundo cada vez mais digital. Isto tudo com o patrocínio da gestão de topo.
Esta não pode ser uma agenda de amanhã.